por Abdelaziz Aboud Santos
Aziz Santos |
Um traço do caráter da sociedade maranhense
que vem se estruturando há décadas e que permanece no limiar deste novo século é
o da subordinação dos atores sociais aos detentores quase vitalícios do poder, característica
que se traduz no silêncio consentido diante das truculências assacadas contra o
interesse maior da população. É de certo modo compreensível este modo de ser no
mundo da maranhensidade, engendrado pela máquina de moer consciências, desde
que parecia impossível a quebra e derrocada da formidável e grotesca armadura
econômico-política em que vivemos.
Saudamos a vitória eleitoral de Flávio Dino com
a esperança de que ela se converta na mais profunda vitória política que todos almejamos,
o que passa necessariamente pelo fortalecimento de nossa identidade cultural e
pela desprivatização do Estado.
Era nessa perspectiva que trabalhávamos ao
formularmos as políticas públicas no Governo Jackson Lago, que não se
adstringiam a um governo, mas que lutávamos por sua consolidação em políticas
de Estado.
Uma olhada criteriosa na política de
cultura, de segurança, de assistência social, do desenvolvimento econômico,
entre outras, pode eventualmente servir de subsídio para as ações do novo time
que assumirá em janeiro, cujo desafio exige de cada maranhense não apenas o
desejo de êxito na gestão, mas, sobretudo, forte comprometimento com as decisões
a serem implementadas.
Aí estão o Programa da Cooperação
Internacional, da Regionalização, com os seus 32 Planos Populares de
Desenvolvimento Regional Sustentável; o Projeto de Revitalização da Bacia do
Itapecuru; o Conselho de Governadores do Corredor Centro-Norte, no âmbito da
EMAP; os Arranjos Produtivos Locais; a política de Tecnologia da Informação e
sua infovia; a auditoria especializada da dívida pública; para citar apenas
estes, que poderão abreviar ações que demandam muito tempo de reflexão e
diálogo com parcelas significativas da sociedade.
É
possível, sim, que este novo momento político do Maranhão seja não apenas uma
mudança de paradigmas, mas, essencialmente, se constitua num virtuoso e
desejado ciclo de prosperidade para a nossa população.
Cabem também algumas ponderações sobre o
contexto em vigor: que condições políticas existiam à época e que dificultaram
as ações do governo Jackson Lago, e quais as que estão delineadas na conjuntura
atual, que favorecem a realização de um governo exemplar, libertador e profícuo
na gestão Flávio Dino? Eis aqui algumas, que saltam aos olhos por sua
obviedade:
1 - Enquanto Jackson ganha o governo, mas
não leva o poder (que continuou sendo exercido pela oligarquia detentora dos
principais meios de comunicação, tendo o Sarney lá em cima no controle do
Congresso Nacional, do Executivo e da Justiça brasileira; e aqui no Estado, mantendo
a estrutura política dos seus correligionários quase intata); Flávio, ao
contrário, ganha o governo e não se consegue ver qual força política lhe fará
oposição, de tão esfacelada que esta saiu das urnas, além de ter as redes
sociais como aliadas;
2 - Enquanto
a conjuntura política nacional, ao tempo do Jackson, girava em torno da figura
do Lula/Sarney, o primeiro, Presidente do Executivo Nacional e o segundo,
Presidente do Parlamento, ambos com força total e simbioticamente unidos por
interesses que apenas os Céus (ou o Inferno) conhecem, e determinados a
devolver, fosse como fosse, o governo do Maranhão à oligarquia derrotada nas
urnas; Flávio encontra o Sarney em fim de festa e o Lula na descida inexorável
da desmoralização pública pelos atos de corrupção direta ou indireta, que minam
a sua reputação, e afetam negativamente sua popularidade;
3 - Enquanto Jackson pertencia a um
Partido (PDT), que perdia força nacional pela morte dos seus maiores líderes,
de modo especial o Brizola, deixando de
ser uma voz nacionalmente ouvida e respeitada, partido então curvado de joelhos
e necessitado de receber as benesses do Planalto; Flávio pertence a um Partido
(PCdoB) em ascensão, que faz o seu primeiro governador e, logicamente, alvo de
todos os esforços da agremiação central para
fazer do seu primeiro governo um exemplo nacional;
4 - Enquanto Jackson Lago ganhou as
eleições de 2007 para o Governo do Estado no segundo turno e, por isso mesmo,
teve de fazer um governo de amplas coalizões; Flávio ganha no primeiro turno e ficou livre
de composições nem sempre as mais desejáveis.
Estes cenários visíveis, na conjuntura
política, fazem enorme diferença quando se tem que governar um Estado como o
nosso, em que: (Revista Exame, novembro 2015, artigo de Bruno Villas Boas e
Daniel Barros)
- é o 3º pior do País na classificação
geral dos indicadores econômico-sociais;
- a taxa de analfabetismo é de 19,8%
(o penúltimo lugar no Brasil);
- o déficit habitacional é de 22% (o
pior de todos os estados);
- a renda inferior a 248,00/mês (o
pior índice entre os estados brasileiros com 41% da população nesse patamar);
- a relação policial por habitante é
de 1/724, enquanto a média nacional é de 1/373;
- a competitividade (inovação,
recursos humanos e infraestrutura) tem um índice de 23 para uma média nacional
de 43 (penúltimo lugar no País);
- internet em banda larga nos
domicílios ocupa o último lugar (16% para uma média nacional de 42%); e
finalmente,
- é pobre em investimento em
logística.
Se o estudo acima aprofundasse a questão da
exploração racional e equilibrada dos ecossistemas brasileiros, ver-nos-íamos em
desconfortos incalculáveis, porque os danos ao meio ambiente que nos causaram a
Vale, inclusive no Porto do Itaqui, e as guzerias na região de Açailândia, com
o desmatamento impiedoso da floresta original, privando as populações
tradicionais do seu habitat natural e dos meios de produção que lhes garantiam o
sustento, e no limite, a reprodução da vida; a classificação acima nos
colocaria em situação para além do último lugar. Vê-se quão imperiosa é a conclusão
dos zoneamentos ecológico econômico e agroecológico, que iniciamos no governo
Jackson, instrumentos vitais para o equilíbrio e racionalidade da exploração do
nosso território.
Por outro lado, o fato de o novo governo
inserir-se em um cenário de muito mais oportunidades do que ameaças, como procuramos
demonstrar, não garante em hipótese alguma, a vitória da esperança sobre a
incerteza e o medo. O enfraquecimento dos pilares que sempre sustentaram o
poder oligárquico, tais como, vinculação orgânica com o Governo Federal,
controle da base parlamentar e partidária e domínio sobre cargos e
instituições, entre outros, longe de ser uma vantagem política, representa, na
verdade, um desafio, pois é inadiável que se crie uma forma nova e efetiva para
a operação desse sistema, justa e equilibrada, face às mudanças esperadas
socialmente.
O
novo governo do Maranhão herdou um passivo histórico dos mais ingratos. Há um
apelo à escatologia e à mitologia. Para sair do papel e passar o Maranhão a
limpo é preciso ter capacidade de formular e implementar um projeto de
desenvolvimento e, ao mesmo tempo, desconstruir as lendas e os mitos sobre a
realidade estadual. A força da miragem é tanta que se tal não vier a acontecer
pedirão a volta da mentira.
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