POR marcelo coelho
FOLHA de são paulo
Começo
com uma banalidade. É natural que uma pessoa pobre sonhe em ficar rica. Mais
forte, entretanto, é o sonho de enriquecer de novo quando se perde a fortuna
possuída.
É
mais fácil se contentar com o pouco que sempre se teve do que com o muito que
se tinha, e que já não se tem mais.
Acredito
que a regra funcione não só em matéria de dinheiro, mas em questões de poder
também. Digo isso pensando no caso do ministro Joaquim Barbosa.
O
presidente do STF deixou claro, tempos atrás, que não tinha intenção de
concorrer a nenhum cargo eletivo; pelo menos, a disputa pela sucessão de Dilma
Rousseff não estava no seu horizonte.
Uma
coisa, entretanto, é não ter esse tipo de ambições quando tudo lhe parecia
sorrir no caso do mensalão. A vitória sobre as teses da defesa estava
garantida; a maioria dos réus, a começar de José Dirceu, tinha sido condenada.
Outra
coisa é sentir, como Joaquim Barbosa declarou na semana passada, que todo o seu
trabalho estava sendo “posto por terra”. Com a presença de Luís Roberto Barroso
e Teori Zavascki, não foi apenas na questão da quadrilha que o jogo parece ter
virado no STF.
Corretamente
ou não, Barbosa pode imaginar que, dada a nova composição dos membros do
tribunal, dificilmente os responsáveis pelos próximos escândalos políticos
serão punidos com a mesma severidade.
Tendo
a acreditar, como dizem alguns inconformados com as decisões da última semana,
que no STF de hoje nem mesmo a denúncia do Ministério Público contra os
mensaleiros seria aceita.
Derrotado,
Joaquim Barbosa está na situação de quem já teve o doce nas mãos e vê, de
repente, que tudo não passara de um sonho. Não tem o poder de construir uma
nova maioria no STF, e muito menos (embora pareça acreditar nisso) a capacidade
de impor no grito suas próprias opiniões.
Ponho-me
no lugar de Joaquim Barbosa. Como não acalentar a ideia de, um belo dia, nomear
sozinho os futuros membros do STF? Vingar-se de Barroso, Teori e Lewandowski a
partir de um lugar com muito maior poder de fogo?
A
conjuntura eleitoral parece favorável a esse tipo de pretensão. Todo o clamor
das manifestações de junho, contraditório como era, desapareceu sem ter sido
atendido.
Eduardo
Campos e Aécio Neves podem ser tão oposicionistas quanto desejem, mas não
expressam aquele tipo de impaciência, de revolta, presente nas ruas. Mesmo
porque, qualquer o partido a que se pertença, sempre há mensalões parecidos no
fundo de alguma gaveta.
Isso
é um movimento de direita ou de esquerda? Perguntava-se isso a propósito das
manifestações. Havia as duas coisas. Também as duas coisas estão presentes,
provavelmente, no ímpeto de Barbosa.
Violento
contra o PT, ele não é menos antipático com relação aos erros ou hábitos da
“mídia burguesa”. Quer figurões petistas na cadeia, não porque sejam ou tenham
sido de esquerda, mas porque se recusa a aceitar que na cadeia só fiquem os
pobres, os pardos, os negros.
Está
desvinculado dos partidos. Parece disposto a condenar tucanos e petistas com a
mesma fúria dos muitos manifestantes que rejeitavam Feliciano, Dirceu, Alckmin
e Haddad num único, amplo e vago movimento.
Falta-lhe
tempo na televisão (mas como ele teve tempo ao longo deste julgamento!);
falta-lhe um partido de tamanho conveniente (mas é por ter achado um que Marina
Silva esvaziou-se de seu potencial expressivo); falta-lhe capacidade de
negociação política (mas é disso que tanta gente está cansada).
André
Singer apontou, em sua coluna de sábado passado, o potencial de Joaquim Barbosa
como candidato capaz de levar a sucessão de Dilma Rousseff ao segundo turno. É
fato que as pesquisas, mesmo quando incluem o nome do ministro, garantem boa
vantagem para a atual presidente, especialmente nas menores faixas de renda.
Mas
é possível repetir-se aquele conhecido fenômeno que abala a política
brasileira, a cada duas ou três décadas: primeiro Jânio Quadros, depois Collor
de Mello, representaram a impaciência com os partidos e com a corrupção. O
destino administrativo, político e pessoal desses personagens não foi, como se
sabe, coerente com seu sucesso eleitoral.
Inflexível,
autoritário, popular, emocional, Barbosa não é um demagogo nem um charlatão;
suas diferenças com os dois antecessores são inegáveis. Não é impossível,
entretanto, que a função —ou o drama— que ambos protagonizaram venha a
repetir-se com seu nome.
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