Por Priscila Cardoso
São
cinco da manhã. O céu, completamente negro, começa a ganhar cor ao ser invadido
lentamente pelos primeiros raios de sol do dia. Dentro de uma embarcação de
madeira, estreita e pequena, dois homens se equilibram rasgando os campos inundados
da Baixada Maranhense. O de trás impulsiona a canoa, tocando o remo artesanal no fundo terreno alagado. O
da proa empina a espingarda, ajustando a mira, em busca do tiro certeiro. O
silencio da paisagem verdejante só é rompido pelo atrito do pequeno barco na
vegetação, o suficiente para assustar as jaçanãs que ali se refugiam para reproduzir.
Atordoadas, elas
levantam voo em uma tentativa frustrada de se defender. Ouve-se um disparo e,
logo, a ave cai morta e é posta dentro da embarcação. O ritual se repete toda
manhã. De barco cheio, os caçadores voltam à terra firme a procura de compradores. Algumas já têm, até,
destino certo, já que são caçadas sob encomenda. As aves, então salgadas e vendidas aos pares, custando, cada
um, entre R$ 15 e 20 reais.
A cena descrita acima
é comum em várias municípios da Baixada Maranhense. A caça de jaçanãs, além de
uma forma de sustento, é uma tradição entre aquelas comunidades, sendo o arroz
preparado com a ave, uma iguaria típica da região.
A Baixada Maranhense
possui um ecossistema único, formado por grandes planícies baixas, que alagam
na estação chuvosa, criando enormes lagos entre os meses de janeiro e julho.
Cenário ideal para reprodução das jaçanãs, aves sazonais que tem sua ocorrência
determinada pela pluviosidade. “ As jaçanãs são aves migratórias. Em meados de
julho e agosto, quando acaba a reprodução , elas começam a retornar para as
suas áreas de origem, que ate hoje são pouco conhecidas”, revelou Antonio Augusto
Ferreira Rodrigues, doutor em Ciências Biológicas, com experiência na área de Biologia de Aves Costeiras Marinhas,
Migratórias e Residentes.
Segundo o
pesquisador, existem registros de caçadas a essas aves desde a década de 60. A intensidade
dessa caça e a falta de açõesvoltadas para a preservação da jaçanã,
levaram Antonio Augusto Rodrigues a desenvolver a pesquisa “Sustentabilidade e Conservação da jaçanã”.
Um recurso alimentar tradicional na Baixada Maranhense”. “ Com esse estudo
queremos conhecer a extensão dessa caça, em que município ela é mais
frequente, e quais áreas seriam mais
interessante estabelecer um mapeamento de ocorrência e reprodução, explicou”
Sustentabilidade
O grande ponto dessa discussão diz respeito a uso sustentável dos recursos naturais, que
deve suprir as necessidades da geração presente sem afetar a possibilidade das gerações futuras.
No caso da Baixada
Maranhense, o maior risco consiste no uso
excessivo dos recursos naturais
sem considerar a capacidade de suporte do ecossistema.
Considerando o total
desconhecimento do status populacional da
jaçanã, devido à ausência de dados
consistente sobre a sua dinâmica, Rodrigues considerou imprescindível o estudo dessa espécie do
ponto de vista da sustentabilidade e conservação, assim como pelos fatores
ambientais, sociais e culturais envolvidos. “ A grande ideia do projeto é
descobrir se esse recursos a longo prazo pode ser exaurido de alguma forma. Embora saibamos que a caça é bastante localizada,
que os animais não andam em bandos muito grandes e que os caçadores possuem uma
limitação natural devido á dificuldade de acesso ás áreas, as informações que
temos é que as caçadas são muito
extensas, chegando um caçador a abater de 40 a 80 exemplares a cada caçada”,
justificou.
Em 1962, o
pesquisador Álvaro Aguirre já mostrava preocupação com a conservação das
jaçanãs ao observar em seus estudos a
ausência de dados estatísticos populacionais da jaçanã e a indiscriminada matança que já ocorria nos
municípios de São Bento e são Vicente Ferrer. Ele contabilizou por volta de
150.000 aves abatidas em única temporada. Já Rodrigues, em um levantamento
realizado em 2012, estimou que 10 mil exemplares foram capturados apenas no
municípios de São Bento.
Durante a execução da
pesquisa, que conta com o apoio da Fundação de Pesquisa de Amparo à Pesquisa e
Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão(Fapema), Antonio Augusto Rodrigues pretende percorrer
a maioria dos municípios da Baixada Maranhense, fazendo um mapeamento da
ocorrência e identificando as áreas de reprodução. “ A reprodução de toda
espécie é garantida por lei, só que isso não vem sendo observado nessa região,
já que a jaçanã, além de servir para alimentação, é utilizada como fonte de
renda”.
Ações efetivas que
prezem pela conservação e sustentabilidade da ave são cada vez mais urgentes,
já que, além da caça indiscriminada, as chuvas estão cada vez mais escassas na
região. “ As jaçanãs são completamente adaptadas a ambientes úmidos. Suas
pernas alongadas são apropriadas para andar na vegetação aquática. Elas não
sobrevivem em áreas de seca.É uma animal que depende completamente de fatores
ambientais para sobrevivência , como a disponibilidade de chuva em determinado
períodos do ano. Esse ano choveu muito pouco. Temos inclusive informações de
que em alguns municípios, como Palmeirândia
e São João Batista, os campos não encheram”,alertou o pesquisador.
Para Rodrigues ,
proteger a reprodução da jaçanã é a
solução para a garantia de sua
conservação.” O ideal seria estabelecer
período de caça, após o período de
reprodução e eclosão dos ovos. A
proteção desta reprodução garantiria uma
taxa de renovação dessa população, ou seja, os indivíduos que nascessem agora
iriam crescer, dentro de alguns meses migrariam com os adultos e voltariam para
reproduzir nos anos seguintes”, detalhou.
Após a conclusão da
pesquisa, Antonio Augusto Rodrigues pretende
submeter os resultados à Secretaria de Estado de Meio Ambiente, a fim de que
ações possam ser desenvolvidas em prol da conservação e sustentabilidade da
jaçanã, como estabelecimento de períodos de proteção e caça de espécie e
políticas de conscientização ambiental.
Segundo o pesquisador,
os próprios caçadores confessam ter percebido
uma diminuição na quantidade de jaçanãs. A conservação da ave, dessa
forma, é urgente, representando não só um beneficio para a própria população,
mas a preservação de um maiores símbolos culturais da Baixada Maranhense.
Fonte: Revista
Inovação/Fapema
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