Por Abdon Murad, advogado
Outro dia cheguei para os meus
sócios e fiz uma brincadeira. Disse sério para um deles: “Fulano não quero que
você receba mais aqui no escritório determinada pessoa (esclarecimento: essa
pessoa é deficiente, como eu). Meu sócio levantou-se assustado e me perguntou:
Mais porquê? O que ele te fez? Respondi-lhe: “é o seguinte, fulano tem muitos
assuntos com a polícia, vai que resolvem prendê-lo, chegam aqui e prendem o
‘aleijado’ errado?” Todos que estavam na sala caíram na gargalhada.
Conto esse episódio apenas para
mostrar que ser deficiente e falar sobre isso não é um tabu na minha vida. Ser
deficiente é apenas mais uma das minhas características. Tanto não é tabu que
nunca tratei desde assunto, se faço agora é porque li por ai, que um dos
motivos que ensejaram o rei Roberto Carlos, meu cantor favorito, a pedir à
Justiça que não fosse divulgada sua biografia seria o acidente que sofrera
quando criança, no qual perdeu parte da perna direita. Não sei se é verdade.
Talvez essa informação não seja
verdadeira uma vez uma de suas mais lindas canções, “o divã”, fala do assunto.
Em sendo verdade o rei ainda não saiu do “divã” tampouco superou seus
“traumas”, mas isso são apenas “detalhes”. Vamos ao assunto do texto,
efetivamente.
Tive poliomielite com pouco mais
de um ano de idade, já se vão mais de quarenta. Morando num povoado, com pais
analfabetos, o acesso as medidas preventivas como vacinação eram praticamente
inexistentes. Assim sendo, eis que naquele tempo o vírus da poliomielite me
alcançou, meus pais não faziam ideia do era, fizeram alguns tratamentos
caseiros. Como os sintomas não arrefeciam, minha mãe pegou um animal (não
haviam estradas), me levou a cidade mais próxima, onde, de lá, a bordo de um
pau-de-arara, fomos para Teresina (PI), onde recebi os primeiros cuidados e fui
salvo da morte certa (alguém ainda cobrará o porquê de me deixarem “vivinho da
silva”. Rsrsrs), ficando com as sequelas. Aqui abro um parêntesis: Os que
pensam e alardeiam que o Maranhão mudou e avança cada vez mais rumo ao melhor
destino: mais de quarenta anos depois, a grande maioria da pessoas, senão 100%
delas, que moram na região do Mearim e adjacências, continuam se socorrendo na
rede hospitalar do estado vizinho. E viva o Piauí!
Retorno. Durante os primeiros
anos depois da pólio, eu que já andava e corria para todos os cantos, tive que
reaprender a andar. Anos depois, fiz um novo tratamento, no Hospital Getúlio
Vargas de Teresina, que não resultou em melhora alguma. Recentemente, coisa de
uns cinco anos, senti minhas pernas fraquejarem, busquei um tratamento na rede
Sarah de São Luís, não era nada demais, o corpo e os anos pesaram mais e tive
que buscar apoio numa bengala, a qual alguns amigos dizem que me tornou mais
elegante.
A vida da pessoa com deficiência possui limitações, claro. Umas mais outras menos, entretanto, mais importante que as limitações é a vida. É verdade que muitas coisas que deixei de fazer atribuindo à deficiência o fato de não tê-las feitos, deve se ao fato de não haver tentado. Cada um tem sua forma de lidar com suas chagas. A cada um o fardo, qualquer deles, pesa de uma forma distinta.
A vida da pessoa com deficiência possui limitações, claro. Umas mais outras menos, entretanto, mais importante que as limitações é a vida. É verdade que muitas coisas que deixei de fazer atribuindo à deficiência o fato de não tê-las feitos, deve se ao fato de não haver tentado. Cada um tem sua forma de lidar com suas chagas. A cada um o fardo, qualquer deles, pesa de uma forma distinta.
Quando a mim, costumo dizer que a
deficiência não me fez melhor ou pior que ninguém, ela me fez diferente.
Talvez, sem ela minha vida tivesse ganhado um outro rumo, se melhor ou pior,
não perco tempo indagando. As limitações nos privam de muitas coisas. Ninguém
gosta, e com razão, de ser privado de algo. Acho que nunca realizarei o sonho
de ser astronauta ou de escalar o Himalaia. Fazer o quê? Tenho que aprender a
viver com o que já tenho e ser grato por isso. Por ser deficiente não sou
credor de Deus ou da humanidade, além do mais, na minha mente já fui a Lua, a
Marte e já escalei todos os picos do mundo, mais de uma vez. E sem dificuldade
ou custo algum.
Vivemos em um mundo que não é
preparado para as pessoas diferente, um mundo hostil, intolerante, até. Ruas
sem calçadas, escadas e rampas perigosas, pessoas mal-educadas ocupando as
vagas preferenciais. Todos os dias são desafios e temos que aceitar e lutar
para que um dia muitos destes males sejam corrigidos.
Sempre acreditei que aceitar os infortúnios como desafios e não como motivos para desistências nos fazem mais fortes, senão fisicamente, com certeza espiritualmente, pois com eles você aprende a valorizar o que efetivamente tem valor, aprende a enxergar as superficialidades com as quais nos defrontamos, a repeli-las e entender, finalmente, que ser diferente é normal.
Sempre acreditei que aceitar os infortúnios como desafios e não como motivos para desistências nos fazem mais fortes, senão fisicamente, com certeza espiritualmente, pois com eles você aprende a valorizar o que efetivamente tem valor, aprende a enxergar as superficialidades com as quais nos defrontamos, a repeli-las e entender, finalmente, que ser diferente é normal.
A prova maior de que estamos
crescendo enquanto pessoa é termos a agradável capacidade de não nos
martirizarmos e a rirmos de nós mesmos, dos nossos receios, pecados e
deficiências. Ri de si mesmo é uma extraordinária virtude. Muitas das vezes o
problema não é como as pessoas nos vêem e sim como nós nos vemos. Pensem nisso.
Nota do Blogueiro:
Sou do povoado lages, zona rural de nova Iorque, Ma. Ao ler esse depoimento me sentir representando e emocionado. Foi como um filme que reprisou na minha cabeça. Meu irmão José Normam Varão, há exato 40 anos (que hoje tem 43 anos), passou por esse mesmo calvário. Vendo o sofrimento e o desespero do meu pai José Martins e da minha Vasti. A história do Abdon é idêntica a que aconteceu com ele. A diferença que não ficaram sequelas físicas.
Martin Varão
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